quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Boa ação pela metade

Quando uma coisa parece boa, até que...

De uns anos pra cá, principalmente diante das notícias, venho observando a curiosa genialidade das leis deste país. Certa vez, o político, matemático e filósofo galês Bertrand Russell (1872 / 1970) disse que “os cientistas se esforçam para tornar possível o impossível e os políticos, por fazer do possível algo impossível”. Buscando solucionar (ou minimizar) problemas sociais, homenagear pessoas e etc, os políticos e autoridades apresentam propostas que a princípio se mostram boas, mas que tem sérias deficiências. São inegáveis suas boas intenções, mas quase sempre são boas ações feitas pela metade, na melhor das hipóteses.

Vejamos melhor a teoria na prática. Há alguns anos, depois de diversas pesquisas e estudos, foi comprovado que a população de pele negra ou parda era a porcentagem que menos tinha acesso à educação superior. Para corrigir isto, foi criada a lei de cotas raciais... a essência da lei é por uma boa causa, mas ela não atende completamente o seu propósito e mais, ainda causa problemas indiretos. Explicando melhor, ao colocar cotas raciais para que universidades separem uma porcentagem de vagas para estas pessoas, nas entrelinhas subentende-se que é o mesmo que dizer que pessoas negras ou pardas têm menos capacidade intelectual do que os demais. Isso sem contar que vivemos num país miscigenado, onde o simples fato de se identificar como pertencente de uma “raça” não é uma coisa fácil! Aliás, a única raça que existe entre nós, é a raça humana e a cor de pele não muda isto… fato comprovado cientificamente. Com isto, o preconceito é até potencializado. Mas, se observarmos direito a população com baixo poder aquisitivo, veremos que a porcentagem de negros e pardos é bem maior, ou seja, a maior parte destes são pobres. Portanto, não seria muito melhor criar uma lei que estabelecesse cotas sociais (para pessoas com baixo poder aquisitivo) ao invés de raciais? Talvez fosse mais eficaz.

Outro exemplo: Recentemente vi uma notícia num telejornal falando de um aparelho ultra-moderno que identifica se numa prisão existem celulares em atividade, solucionando assim o problema dos crimes através de telefones celulares pelos detentos. Com certeza foi gasto muito dinheiro, tempo e pessoal para desenvolver esta engenhoca. É claro que o propósito da idéia é muito boa, mas basta pensar um pouco mais pra concluir... se há celulares nas cadeias, eles chegam lá como? Sem contar que os aparelhos são recarregados em algum lugar lá dentro, pois, celular com bateria descarregada não funciona. Percebem o problema?

Infelizmente não estamos imunes às leis estabanadas que são aprovadas em todo canto do país, num universo de leis em vigor que ultrapassam as 100 mil. É nas cidades (principalmente, as pequenas cidades) onde surgem as verdadeiras pérolas do nonsense. Certa vez a revista Mundo Estranho (da editora Abril) entrevistou advogados e professores de direito em busca das leis mais absurdas do país e o resultado foi hilário, com casos como o de Bocaiúva do Sul / PR (Decreto Municipal 82/97, de 19 de novembro de 1997) que proibia a venda de camisinhas e anticoncepcionais, quando a prefeitura passou a receber menos verbas do governo federal com a diminuição da população local (lei que teve de ser revogada 24 horas depois). Outro caso que beira o surreal é o de Barra do Garças / MT (Lei Municipal 1840/95, de 5 de setembro de 1995), onde foi aprovada uma lei para a criação de campo de pouso para OVNIs com 5 hectares. A cabeça dos vereadores é realmente um terreno fértil (pra não dizer outra coisa)... recentemente, o cantor e vereador de S. Paulo, Agnaldo Timóteo (PR), encaminhou um pedido ao prefeito da cidade sugerindo mudar o nome do Parque Ibirapuera para “Parque Ibirapuera Michael Jackson” e da sala “São Paulo” do Teatro Municipal para sala “São Paulo Michael Jackson”. Hein? Qual a relação com o cantor, que provavelmente nunca pisou os pés em nenhum dos dois lugares ou sequer fez algo pela cidade?


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Se há algum consolo nisto, leis até mais bizarras do que as nossas surgem em toda parte do mundo e não são nem de longe uma exclusividade. Talvez este recorde pertença aos Estados Unidos, onde Estados e até municípios tem autonomia para criar legislações próprias, de onde aparecem verdadeiras idiotices, como no município de Chico, na Califórnia, onde quem fosse o responsável por explodir uma bomba nuclear em seu território teria de pagar uma multa de 500 dólares... só resta saber pra quem!! Em municípios da França (Le Lavandou) e da Espanha (Lanjaron), por exemplo, já foi decretado que era proibido morrer devido a superlotação do cemitério local, medida válida até que um novo local fosse providenciado... enquanto isso, seus habitantes deveriam tomar mais cuidados com a saúde para não falecerem, o que seria uma violação da lei. *


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Mas enfim, o combate do problema focando apenas sua conseqüência ao invés da causa é algo mais comum do que parece e também não é uma exclusividade das autoridades. Talvez seja por conta de atitudes tomadas no impulso, sem uma pausa para refletir melhor (ou em certos casos, sem um mínimo de reflexão). É o mesmo que criar uma comoção para adquirir um balde, achando que assim o problema da goteira está finalmente resolvido!


(*) Fonte: Revista Super Interessante (edição 172 - janeiro de 2002)